Marcio Dias: ‘A Craft USA provoca um pequeno, mas positivo abalo sísmico no mercado’
Ao final de um encontro que selou o lançamento da Craft USA, no início de novembro, Marcio Dias foi convidado a se sentar numa cadeira, diante de um grupo de pessoas. Era um jeito de caber na foto, um registro informal da reunião, mas também de reconhecer o seu papel no projeto. Diretor da Craft há sete anos, depois de doze na Hamburg Süd e quatro na TNT Express, há poucos meses Marcio vem liderando a criação mais ousada da empresa em sua história. “Esse não é um passo grande só para a Craft. É um passo grande para o nosso mercado na América do Sul”, reconhece o executivo. Há quase trinta anos em atividade, Marcio Dias tem, de carreira no comércio exterior, o mesmo tempo de vida da Craft. Leia, a seguir, a entrevista com o sponsor da Craft USA, e saiba o que o projeto promete.
Como nasceu o projeto da abertura da Craft nos Estados Unidos, que teve a sua liderança? Estou certo de que, mesmo antes da minha chegada há sete anos, este “sonho” de ter operação nos EUA já existia. Ao longo do tempo, essa ideia foi maturada, e a resolução, construída. A decisão final é recente, impulsionada, na verdade, pelo FCL, por meio da LatinPRO, um centro de procurement de frete marítimo e terrestre que pertence à Craft nos Estados Unidos. Com o avanço da LatinPRO no full container, e com o LCL vendo o mercado saturado na América do Sul, não fazia sentido ficarmos só no FCL no mercado americano. A LatinPRO abriu a porta para os EUA e nos fez pensar em atuar por lá com mais força, uma vez que já teríamos um custo estrutural de toda forma.
Este é o passo mais ousado da Craft? De tudo o que eu vivi nos meus sete anos de Craft, não tenho a menor dúvida. E vou dizer mais. Acho que esse não é um passo grande só para a Craft. É um passo grande para o nosso mercado na América do Sul, porque o setor de NVOCC, pelas suas alianças e por sua necessidade de alinhamento entre os países, vai sofrer algumas alterações importantes. Eu já tenho recebido ligações de vários países a respeito. Sem dúvidas, para o nosso universo, podemos dizer que é um pequeno abalo sísmico.
Por que dar este passo este ano, em meio a uma pandemia? Foi uma decisão muito dura, não foi fácil de tomar. Mas a pandemia para nós, como acontece regularmente, foi o caso da crise que gera oportunidades. Em março, no começo da quarentena, fizemos uma reunião de diretoria, em que o Marcellus, nosso CEO fundador, perguntou, “Para onde nós vamos?” Sabíamos que seria um ano diferente, nunca visto antes, e que devíamos nos preparar para um cenário difícil e de grandes impactos financeiros. Depois de março, veio maio, que foi um mês terrível. Junho, nem tanto. Em julho, começamos a ter uma subida e hoje, mesmo abaixo do budget, chegamos a números que não pensávamos ser possíveis no início da crise. Estamos em um grupo de “privilegiados”, e está claro que isso ocorreu com muito trabalho e dedicação das nossas pessoas. Nos últimos meses, vimos empresas quebrando, marcas desaparecendo, sociedades se desfazendo, muitas dívidas, dentro e fora do nosso setor.
Ter mantido a equipe unida beneficiou a Craft em meio à pandemia? Totalmente. Não somos uma empresa alastrada em ativos fixos. Isso quer dizer que, sem as pessoas corretas, não vamos a lugar nenhum. Não me canso de chamar a Craft de família, porque, num momento em que grandes competidores estavam num processo de demissão em massa, já pela expectativa da crise, a Craft manteve a equipe inteira e unida. Nós fomos na contramão, o que foi o nosso acerto e o nosso prêmio. Mantivemos todas as pessoas, trouxemos todos para um espírito de cooperação. Hoje, com a crise mais controlada e o retorno gradual dos volumes, para nós ficou claro que a força dessa retomada veio do nosso pessoal.
Essa visão do negócio guiado por pessoas também orienta a Craft USA? Sem dúvida. Toda a Craft é orientada por pessoas. O projeto dos EUA só saiu da prancheta porque estamos convictos de ter encontrado as pessoas certas. O projeto vai ser dirigido nos EUA pelo Bruno Crelier, que conhece bem a região, morou lá por muito tempo, é aculturado, nós ganhamos muito tempo na curva de aprendizado com ele. O Bruno tem três saberes importantes: conhece o mercado, conhece as pessoas e conhece o nosso DNA. Vai caber a ele escolher vendors, fazer a relação com armadores, e tocar a Craft USA juntamente com a LatinPRO, sempre apoiado pela direção, que conta com nomes de experiência, como Jorge Freitas, Priscilla Bueno e Marcus Coelho, com um vasto conhecimento de mercado e de Craft na bagagem. Além disso, também convidamos à mesa profissionais de alto calibre do mercado americano para termos sempre a visão local.
“O nosso sonho é encerrar 2022 com a Craft USA próxima da
Craft Argentina e da Craft Chile, em termos de negócios e receita”
O Bruno segue também à frente da LatinPRO? Sim, e, como disse, muito apoiado no Brasil. Esse é um ponto importante, porque tudo nasceu da LatinPRO. A nossa expectativa é de que ele invista 50% do tempo em cada empresa para que faça de cada uma um sucesso. A LatinPRO também veio de um sonho, um sonho que foi idealizado muito antes da minha chegada, quando o Marcellus, em sociedade com outras três companhias brasileiras, abriu um procurement center na Ásia, a WSL. Foi um momento disruptivo, porque criar uma associação num mercado fechado significaria, para o armador, que nós poderíamos comprar fretes de forma melhor, dado o volume negociado, porque estaríamos comprando em “bloco”. Então, hoje, quando você pega o volume da Ásia para a costa brasileira, vê que nós somos os maiores compradores de frete, não a Craft apenas, mas a associação como um todo. A união faz a força. Você consolida volume e cria condições melhores. E, na baixa temporada, nós crescemos em importância porque abastecemos as companhias marítimas com cargas regulares, em momentos de mercado difícil.
A WSL inspirou a LatinPRO? Isso mesmo. Com o sucesso de anos da WSL, a gente entendeu que poderia replicar o projeto nos EUA, acrescentando a parte doméstica, que é um ponto-chave local, uma vez que estamos com as pessoas certas, representando outras empresas e pessoas no business de compra de fretes.
Quando vocês entenderam que deviam levar o LCL para os EUA? Era necessário montar uma estrutura e, no momento em que você monta essa estrutura, por que não escalonar, por que não maximizar? Além disso, como há limitações para avançar com o LCL na América do Sul, seria preciso expandir. Em algum momento, teríamos de fazer isso. Se não fosse agora, talvez em dois ou três anos. Com a crise, enxergamos a oportunidade. Então, foi um alinhamento astral, de Marte com Júpiter.
Quais os primeiros serviços a serem lançados? A Craft USA começa com os países da América do Sul que já têm carga de e para os EUA. Também largamos no fluxo Itália-EUA e EUA-Itália, pela relação com o nosso agente italiano, a Euro Italian, que vem conosco desde o dia 1. O objetivo é manter os serviços que temos hoje, de importação dos EUA para todos os países da América do Sul, porque não podemos esquecer que tivemos uma parceria sólida por mais de quinze anos no mercado americano. A Carotrans foi um parceiro fantástico, temos muito a agradecer. Manter os serviços que tocávamos juntos já será um grande feito, no início. Os EUA são um país muito grande, com muitas conexões, então, montar caixas não é a coisa mais simples do mundo. Além disso, vamos relançar um serviço do Peru, Callao-Miami, e da Argentina, Buenos Aires-Miami. Miami é um centro de distribuição importante, com conexão para diversas partes dos EUA.
Qual a estratégia por trás do relançamento de serviços de exportação que hoje estão fora de catálogo? A exportação é um mercado difícil e, como a gente tinha um parceiro do outro lado, a Carotrans, ficava mais duro ainda ser sustentável. A Craft entende, porém, que muitas vezes você não ganha na expo, mas vai ganhar na impo lá. É o lance do right and left pocket que, no frigir dos ovos, dá um resultado positivo. Esse é o motivo do relançamento das rotas Callao-Miami e Buenos Aires-Miami e, em, breve, quem sabe Callao-NY.
Como foi romper uma relação de tantos anos com a Carotrans? Muito difícil. A Craft não é uma empresa que cria relação apenas com outras empresas. Somos uma companhia focada em pessoas. Então, embora se trate de negócios, na hora de fazer uma ruptura levamos em conta as pessoas envolvidas. Além disso, num primeiro momento abrimos mão de uma receita significativa, da qual temos de correr atrás, temos de correr atrás desse sonho. É um sonho que estamos realizando e pelo qual sabemos que vamos ter de pagar por um tempo, mas temos certeza de que vai dar certo, justamente por olhar o projeto LatinPro e Craft como um só.
O que a Craft USA pode oferecer que a Craft-Carotrans não tinha? As pessoas, sem dúvida, e com elas o atendimento ao cliente. Nós buscamos pessoas em solo americano que tenham a possibilidade de se aculturar na Craft, de se encaixar no nosso DNA. Aquela pessoa que faz o extra mile, que tem um olhar para o cliente até o final do dia, que não descansa enquanto não resolver, porque o problema do cliente é também problema dela. É a construção de relacionamentos que leva a gente a grandes resultados.
Por que oferecer trucking? Porque os EUA são um país de dimensão continental, com movimento interno de carga gigantesco. Estamos seguros de que o frete marítimo dos EUA para a América do Sul e da América do Sul para os EUA é praticamente uma commodity, com baixa variação entre os principais concorrentes. Ter transporte interno é um grande diferencial. Foi por isso que criamos a LatinPRO, um ano atrás: a ideia era comprar melhor o trucking para sermos mais competitivos. O exworks ou last mile será o nome do jogo.
“O nosso diferencial, sem dúvida, são as pessoas”
Acredita que esse lançamento vai estimular a Craft Brasil e Latam? Com certeza. Por dois motivos. Quem está no dia a dia se ressentia da Carotrans, do tempo de resposta ao cliente, do apoio operacional, porque o mercado americano é diferente. Se trabalhássemos com qualquer outro parceiro, enfrentaríamos essas questões, não tenho dúvida. Mas, com a dinâmica Craft, o nosso tempo de resposta vai ser diferente, o carinho com o cliente vai ser outro. Essa parceria de Craft com Craft será o motor do nosso sucesso.
O que podemos esperar do desempenho da Craft USA em 2021? Estamos conscientes de que se trata de um mercado difícil. Somos muito ambiciosos e ao mesmo tempo cautelosos, fizemos análises de demanda, de chances de crescimento. No LCL, começamos tratando só das cargas da Craft. Hoje, no tráfego Brasil-EUA, são os nossos clientes que decidem a maioria das cargas que transportamos. Isso quer dizer que grande parte dos clientes é gerenciada pela Craft, por relacionamento. É um belo desafio, porque a Craft USA não vai começar como opera a Carotrans hoje, fazendo o tráfego com toda a Europa e Ásia. Vamos nos concentrar na América do Sul, onde já temos clientes ativos e já conhecemos as cargas. A ideia é ir passo a passo, com a LatinPRO como cereja do bolo, abrindo para nós um mercado que hoje a gente nem vislumbra. Só para que possamos ter uma ideia de dimensão, os EUA são um país que tem, no mínimo, dez vezes mais volume que o Brasil dentro do mercado dos NVOCCs neutros. Há muito pela frente.
Pela estrutura já montada, a Craft USA dá a partida com um volume importante de teus, correto? Isso, para depois catapultar esse volume por meio do alinhamento com parceiros de negócios. Hoje, o Brasil representa mais de 50% do faturamento da Craft. Os EUA, para nós, ainda são muito incipientes, mas as perspectivas são amplas. O nosso sonho é encerrar 2022 com a Craft USA próxima da Craft Argentina e da Craft Chile, em termos de negócios e receita, filiais já maduras e líderes de mercado no produto principal.
O que você fará, como sponsor do escritório americano? Fui presenteado pelo CEO, Marcellus, como o diretor responsável. Junto com meus colegas, vou coordenar todas as atividades desta empreitada. É claro que, num projeto dessa magnitude, ninguém faz nada sozinho. Temos vários braços trabalhando forte para pavimentar o caminho. O Bruno Crelier, atuando em solo americano. O Marcus Coelho, nosso CFO, tratando das questões financeiras, o Vitor Moreira com temas de pricing e sistema, Priscilla Bueno apoiando na coordenação com os escritórios Latam, além da parte de comunicação, Jorge Freitas com assuntos de gestão e full container, seguidos de uma legião. Na verdade, se eu não parar de elencar aqui todas as pessoas que estão participando do processo, nossa lista será extensa. O mais importante é agradecer a todos por acreditarem e participarem deste passo tão grandioso para a nossa querida empresa.